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quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Para que serve o professor ?

Hoje, Dia do Professor, vale a pena ler e reler este texto de Umberto Eco 

Ao ler a respeito de casos de violências nas escolas, deparei-me com uma esfera da
violência que não definiria precisamente como o máximo da impertinência... porém, sem
dúvida, de uma impertinência muito significativa. Era o relato de um estudante que, para
provocar seu professor, lhe disse:
---“ Desculpe-me, mas, na época da internet... você professor.... para que serve ?
O estudante disse uma meia verdade que , mesmo entre os próprios professores, é dita
há pelo menos vinte anos, qual seja a de que antigamente a escola transmitia formação e
também conteúdos, desde a tabuada nas séries iniciais, qual é a capital da Espanha nas
séries seguintes até os fatos da guerra dos trinta anos no ensino médio. Com o
surgimento, não apenas da internet, mas da televisão, do rádio, assim como do cinema,
grande parte destes conteúdos começaram a ser absorvidas pelas crianças na esfera
extra-escolar.
Quando era pequeno, meu pai não sabia que Hiroshima ficava no Japão, que
Guadalcanal existia, tinha uma idéia muito imprecisa de Dresde e somente sabia da Índia
o que havia lido am Salgari. Eu, que sou da época da guerra, aprendi essas coisas pelo
rádio, nas notícias diárias, enquanto que meus filhos viram na televisão os fiordes
noruegueses, o deserto de Gobi, como as abelhas polinizam as flores, como era um
tiranossauro rex e, hoje em dia, uma criança sabe tudo sobre o ozônio, sobre os Coalas,
sobre o Iraque e o Afeganistão. Talvez uma criança de hoje não saiba o que sejam
exatamente as células tronco, mas já ouviu falar disso enquanto que, em minha época,
nem mesmo a professora de ciências naturais sabia algo a este respeito. Então... para
que servem os professores hoje em dia ?


Eu disse que o estudante falava uma meia verdade porque, antes de tudo, todo docente
além de informar, deve formar. O que leva uma turma a ser uma boa classe não é que
sejam transmitidas datas e nomes, mas que se estabeleça um diálogo constante, um
confronto de opiniões, uma discussão sobre o que se aprende na escola e o que aprende
fora dela. É certo que o que acontece no Iraque é dito pela televisão. Porém, porque isso
acontece ali desde a época da civilização mesopotâmica e não no Alaska, é algo que só
pode ser dito na escola. E se alguém objetasse que, às vezes, também existem pessoas
que aprendem no “ Porta a Porta” ( programa televisivo italiano que discute temas da
atualidade), é a escola que deve discutir o “ Porta a Porta”.
Os meios de comunicação de massa informam sobre muitas coisas e também transmitem
valores, mas a escola deve saber discutir a maneira como estas informações são
transmitidas e avaliar o tom e a força da argumentação do que aparece em
jornais,revistas e televisão. Além disso, a escola deve verificar a informação veiculada
por estes meios. Por exemplo: quem, senão um professor, pode corrigir a pronúncia
errada do inglês que os alunos acreditam ter aprendido pela televisão ?
Aquele estudante não estava dizendo ao professor que já não necessitava dele porque
agora existem o rádio e a televisão para lhe dizerem onde fica a Groenlândia ou o que é
discutido sobre a fusão a frio. Ou seja, não estava lhe dizendo que seu papel era
questionado por discursos isolados que circulam de maneira casual e desordenada a
cada dia em diversos veículos de informação - que saibamos muito sobre o Iraque e
pouco sobre a Síria, depende da boa ou má vontade de Bush. O estudante estava
dizendo ao professor que hoje existe internet, a grande mãe de todas as enciclopédias,
onde se pode encontrar a Síria, a fusão a frio, a guerra dos trinta anos e a discussão
infinita sobre o maior dos números ímpares. Estava lhe dizendo que a informação que a
Internet coloca à sua disposição é imensamente maior e inclusive mais profunda do que
aquela de que dispõe o professor. E omitia um ponto importante: que a Internet lhe dá “
quase tudo”, exceto como pesquisar, filtrar, selecionar, aceitar ou descartar toda essa
informação.
Armazenar uma nova informação quando se tem boa memória, é algo de que todo mundo
é capaz. Porém, decidir o que é que vale ou não a pena relembrar, é uma arte sutil. Esta
é a diferença entre aqueles que cursaram estudos regulares( mesmo que mal) e os
autodidatas( mesmo que geniais).
O mais dramático é que , muitas vezes, nem mesmo o professor sabe ensinar a arte da
seleção. Ao menos, não em cada capítulo do saber. Porém, pelo menos sabe que deveria
sabê-lo e, se não sabe dar instruções precisas a respeito de como selecionar a
informação, pelo menos deve oferecer-se como exemplo mostrando ao aluno que se
esforça por comparar e julgar tudo aquilo que a Internet coloca à sua disposição. Pode
também colocar em cena , em seu cotidiano, a intenção de reorganizar sistematicamente
o que a Internet lhe transmite em ordem alfabética, dizendo-lhe que existe Tamerlão e
monocotiledoneas sem apresentar a relação sistemática entre estas duas noções.
O sentido desta relação somente pode ser oferecida pela escola e se esta não sabe
como fazê-lo, terá que equipar-se para tal. Se não, os três Is de Internet, Inglês e
Instrução continuarão sendo somente a primeira parte de um zurro de asno que não
ascende ao céu.

Umberto Eco
Tradução de Júlia Eugênia Gonçalves

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