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quinta-feira, 8 de setembro de 2011
Faça você mesmo a sua escola
O Reino Unido está inaugurando esta semana 24 "escolas livres", que vêm a ser estabelecimentos de ensino financiados pelo poder público, mas geridos pela comunidade ou por alguma empresa que se disponha a fazê-lo. O pano de fundo ideológico da ideia está na pregação de campanha (vitoriosa) de David Cameron, conservador. Se desse para resumir em um slogan, como é da praxe deste mundo dominado pelo twitter, diria que é "menos Estados, mais sociedade". Na prática, funciona assim: um grupo de pais, por exemplo, ou alguma organização decide criar uma escola. Deve, então, enviar requerimento ao Ministério da Educação, demonstrar que existe demanda local de parte de pais e/ou alunos, apresentar um projeto educativo e o plano financeiro. Se aprovada a proposta, o governo financia a instalação da escola, que, no entanto, permanece gratuita. A partir daí, o Estado sai de campo e deixa a cargo de um Comitê Diretor (preferencialmente formado pelos pais) o recrutamento de professores, a definição do número de alunos por classe, a organização do tempo de estudos, o conteúdo dos programas escolares e assim por diante. Fico imaginando se esse tipo de escola "faça você mesmo" funciona. Dizem que há exemplos similares na Suécia e nos Estados Unidos, mas desconheço qualquer avaliação delas.
E no Brasil, funcionaria? Tenho sérias dúvidas. O sucesso desse tipo de empreendimento passa, inexoravelmente, pelo envolvimento profundo de pais e mães. Em cidades como Rio e São Paulo, a grande maioria dos pais/mães não consegue, mesmo que tenha boa vontade, encontrar tempo nem para atividades mais imediatas na relação familiar, imagine então envolver-se com a escola. Seria necessário desenvolver um sentido de comunidade que se debilitou no mundo todo por mil motivos que não vem ao caso relacionar aqui. Mas é algo para se pensar, posto que o modelo educacional brasileiro está em crise (vive em crise, na verdade). Resolveu o problema da quantidade, ou seja, colocou na escola quase a totalidade das crianças em idade escolar, mas permitiu concomitantemente que se deteriorasse fortemente a qualidade.
Clóvis Rossi, Folha de SP/ 08/09/11
ALFABETIZAÇÃO - É PARA COMEMORAR OU PARA CHORAR ?
Hoje é comemorado o Dia Internacional da Alfabetização, data instituída pela UNESCO. Em recente pesquisa realizada pela ONU, um dado alarmante : 793 milhões de pessoas em todo o mundo não sabem ler nem escrever. Revisitando o passado, lembrei-me de artigo publicado há vários anos a este respeito, mas que ainda se mantém atual.
Que vocês possam apreciar, refletir, compartilhar idéias !
Que vocês possam apreciar, refletir, compartilhar idéias !
O QUE FAZ A DIFERENÇA ...
Alfabetização é o termo utilizado para nos referirmos à aprendizagem da leitura e da escrita. A palavra alfabetizar surgiu na Antiguidade e já era empregada na Grécia relacionada ao ensino do alfabeto. Durante séculos seu significado esteve restrito `a capacidade de dominar um sistema de sinais que compõem o código da linguagem escrita.
Hoje já não é assim. Com a superação da visão de mundo positivista e o advento das posições interacionistas e construtivistas, o termo ganhou novo significado e, ficou, de certa maneira, pobre. Os lingüistas preferem adotar o conceito de “letramento “, mais rico em possibilidades, visto que praticamente todas as sociedades atuais são “letradas “, isto é conhecem, utilizam, transmitem a seus componentes a palavra escrita. Desta forma, todo indivíduo que compartilha de um universo sócio-cultural está imerso num outro universo, o das letras, seja ele alfabetizado ou não.
De qualquer maneira, tal discussão, que pode nos parecer ora filosófica, ora meramente semântica, não é o que interessa aqui. Penso que podemos enveredar por outros caminhos...
Lembro-me de uma figura, uma metáfora descrita por Alícia Fernandes num de seus livros: a dos “corpos cadernos “. Ela descreve o sonho de uma criança, que “vê” seu corpo e o de todos os colegas da classe como se fossem cadernos. Essa imagem é muito forte ! ! Como produto onírico, é uma produção imaginária ( no sentido psicanalítico) e gostaria de seguir a rota de tal imagem.
Por que “corpo caderno “? Parece-me que esta figura é símbolo de toda humanidade. nossos corpos são realmente cadernos, porque neles estão inscritos, filogenéticamente, nossas escritas.
Com isso quero dizer, que a leitura/ escrita é uma das marcas da criatura humana hoje, tal como o são a postura ereta e a fala. Da mesma maneira que, no Neolítico, nossos antepassados descobriram a agricultura e tal descoberta revolucionou completamente sua maneira de viver, seus hábitos alimentares e suas predisposições biológicas, na Antiguidade, o surgimento do alfabeto também revolucionou completamente as relações sociais, a maneira do homem manejar e acumular seus conhecimentos.A palavra falada, a partir daí, pede a inscrição, como nos lembra Derrida e a escritura faz a diferença.
O acesso à leitura/escrita sempre foi, e continua sendo, expressão de poder e a alfabetização, uma conquista. Ser alfabetizado é caminhar num continuum de ampliação do processo de letramento, que caracteriza o homem moderno em seu processo ontogenético de desenvolvimento. Por isso, a alfabetização marca, por isso ela assume características de um verdadeiro rito de passagem. A escola trata de valorizar tal conhecimento por meio de uma “formalização “ do ensino e de comemorações em torno do fato, o que se pode atestar pela “festa do livro “, tão comum ainda hoje; a família, a seu turno, encontra também um jeito de valorização da alfabetização, significando-a , a seu modo, por meio de expectativas, exigências, determinações acerca dos cadernos, deveres etc... etc...
Por isso aprender a ler e a escrever é tão significativo! Com esse conhecimento inauguram-se novas possibilidades: apreender o sentido e criar sentido, imergir no pensamento coletivo e emergir sujeito . Que indivíduo tem sentido sem sua História ?
Como ser histórico sem escrita ?
Por isso, o sonho daquela menina, em sua aparência imagística, é na essência, o símbolo de nossa condição humana, prisioneiros que somos num mundo de letras, palavras , frases e textos, que, se não conseguem ser lidos - ou escritos - expressam nossa inferioridade, nossa marginalidade ou nossa agressividade para com a sociedade
Por isso, tantos problemas e tantas dificuldades em relação às atividades de leitura/escrita, seja nas classes populares como naquelas de melhor condição sócio-econômica! Lidar com a escritura é extremamente significativo para todos, é fator de autonomia, de domínio do léxico, de exercício de autoria, mas, ao mesmo tempo, de sujeição à regras de sintaxe e de ortografia, de submissão do autor à interpretação do leitor, de manipulação de sentimentos geralmente ambivalentes porque referem-se ao desejo de conhecer.
Construir um “corpo caderno “ é , como já disse, uma metáfora,que expressa uma diferença, num corpo que se torna diferente a partir do domínio da leitura/escrita; conhecimento que deixa marcas, que marca a diferença, que nos difere.
Júlia Eugênia Gonçalves
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