Vejam o que está acontecendo na França a este respeito e as opiniões de pais e educadores brasileiros , a este respeito. Vale para o debate !!
Que atire a primeira pedra quem nunca desejou, durante a
infância, ter o total apoio dos pais para deixar a lição de casa de lado. Pois
na França, um movimento organizado por membros da Federação dos Conselhos de
Pais de Alunos (FCPE, em francês) apelou às escolas uma `folga` de duas semanas
sem dever para os estudantes do ensino primário (até a 5ª série do Ensino
Fundamental), em setembro.
A reivindicação cumpriria uma circular editada em 1956 no
país que proíbe a prescrição de deveres de casa formais - os velhos exercícios
escritos e de repetição - aos pequenos. Entre os motivos para o levante, que
também encontrou apoio na Espanha, estão a falta de provas concretas sobre a
eficiência das lições para o aprendizado das crianças e a alegação de que a
prática contribui para acentuar as diferenças pessoais e sociais entre os
alunos. Acima de tudo, está a ideia de que a criança deve mostrar aos pais o
que aprendeu na escola, e não à escola o que aprendeu em casa.
Do outro lado do Atlântico, a bandeira contra o dever de
casa, levantada por críticos como o cientista social Alfie Kohn e a advogada
Sara Bennett, autores de livros sobre o assunto, é uma polêmica que gera
discussão desde longa data nos Estados Unidos. Os americanos vão mais longe ao
afirmar, com base em estudos realizados em universidades como a Duke, que a
lição durante o ensino primário não melhora significantemente o aprendizado,
além de sobrecarregar o aluno, afetando o desempenho em sala de aula - o que
poderia explicar a pontuação atingida pelos EUA no Programa Internacional de
Avaliação de Estudantes (Pisa), inferior à de países como o Japão e a
Dinamarca, onde a prescrição de tarefas para casa é mais moderada. Em 2004, uma
pesquisa feita com quase 3 mil crianças pelo Instituto de Pesquisa Social da
Universidade do Michigan também indicou que o tempo dedicado à atividade
cresceu 51% desde 1981.
Apesar disso, os especialistas ressaltam que ainda não há um
consenso científico acerca da influência do dever sobre o desempenho do aluno.
`Existem vários estudos apontando que escolas que passam dever de casa e alunos
que fazem a lição tendem a ter melhores resultados. Mas uma coisa é haver uma
correlação e outra é haver relação causal. Isso é consequência do dever em si
ou de um conjunto de condições nas quais ele está inserido?`, pondera a
professora Tânia de Freitas Resende, da Faculdade de Educação da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG). Tânia acrescenta que elevar a experiência de
uma instituição ou grupo de alunos a proporções nacionais é arriscado, pois as
políticas de prescrição de tarefas variam entre as escolas de um mesmo país.
Por outro lado, os argumentos dos franceses parecem
razoáveis levando-se em conta a predominância do turno integral entre as
escolas do país, uma modalidade que ainda está engatinhando no sistema
educacional brasileiro.
`No caso de uma escola de meio período (de quatro a cinco
horas, comum em boa parte do Brasil), a lição é muito importante, porque vem ao
encontro do nosso sistema de memorização, que precisa de uma reverberação do
conteúdo`, explica Wagner Sanchez, diretor escolar do Colégio Módulo (SP). Já
no turno estendido das escolas integrais, que dura em torno de seis horas,
Sanchez acredita que o trabalho de revisão é responsabilidade da própria
instituição, onde o aluno dispõe de mais tempo para absorver o conteúdo e tirar
suas dúvidas junto aos professores. `Fora da escola, ele vai praticar esportes,
fazer uma língua estrangeira, conviver com outras pessoas. Ele também precisa
ter um pouco de lúdico, de outras atividades`, comenta.
Reformulação necessária:
De fato, os membros do FCPE afirmam não se manifestar contra
o dever em si, mas contra o fato dos alunos levarem para casa tarefas longas e
trabalhosas que serão realizadas após um dia inteiro de estudos e, muitas
vezes, requerem a assistência dos pais, a qual nem todos os alunos têm acesso.
`É claro que algum tipo de acompanhamento é importante, mas as lições deveriam
ser planejadas e prescritas de forma que um acompanhamento tão próximo não
fosse um pressuposto`, diz a professora Tânia de Freitas Resende.
Além dos pais com extensas jornadas de trabalho, condições
socioeconômicas desfavoráveis também podem contribuir para que a lição de casa
torne-se um dever chato de cumprir. Nesse sentido, a mobilização propõe a
adaptação das tarefas escritas a um novo modelo que demande menos tempo de
execução e seja mais atrativo aos próprios alunos.
Se, por um lado, existem famílias que questionam o dever de
casa, por outro, a concepção de que o caderno cheio de anotações e a pasta com
muitas folhas de exercícios mede a eficiência do ensino ainda é viva para
muitos pais. `Muitas vezes são secundarizadas atividades que também são muito
importantes, como a leitura e a pesquisa`, afirma Tânia.
Foi o que percebeu Márcio Valério, educador do Sesc (SP) e
pai de dois alunos do ensino fundamental da Escola Marista Nossa Senhora da
Glória (SP), ao pesquisar colégios para matricular a filha Sofia, de sete anos.
Segundo ele, as escolas visitadas ofereciam o mesmo modelo tradicional de ensino,
que é pouco atraente às crianças, e isso se reflete na relação com o dever.
`Se mesmo os conteúdos fossem passados de uma forma mais
estimulante, as crianças poderiam começar a ter gosto por aprender, por novos
conhecimentos`, diz Valério. Enquanto a adaptação do ensino em sala de aula é
um projeto para longo prazo, não é necessário tanto tempo para solicitar
atividades diversificadas para casa, que facilitem ao aluno entender o que está
sendo estudado. `Se o aluno tiver uma dificuldade e você não conseguir passar o
conteúdo por outro ângulo, ele vai continuar não entendendo`, explica Wagner
Sanchez, do Colégio Módulo.
Há, ainda, as vantagens para o vínculo entre colégio e
família: além de fixar os conteúdos escolares, Valério acredita que o dever
possibilita aos pais acompanhar o desenvolvimento dos filhos. ”Às vezes, o
professor não consegue detectar as dificuldades de todas as crianças, e o pai,
acompanhando a lição no dia a dia, tem mais chances disso até para comunicar a
escola caso esteja havendo alguma falha”, explica.
O administrador de empresas Claudio Carvajal, 37 anos,
concorda e pensa que a filha Juliana, estudante da 2ª série do Colégio Paulista
(Copi), poderia se interessar muito menos pelo dever se a execução dos
trabalhos não fosse valorizada em casa. “Isso depende de como os próprios pais
encaram a lição. Acho que se não tiver incentivo da família, o dever pode ficar
só na obrigação”, opina.
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